
A cooperação Sul-Sul como estratégia no combate à fome e o exemplo de Moçambique foi o tema que o Centro de Excelência contra a Fome do WFP no Brasil levou ao webinário “O enfrentamento da fome global: perspectivas e desafios para 2030”, realizado no dia 15 de julho pela Fiocruz.
O evento faz parte da série “Seminários Avançados em Saúde Global e Diplomacia da Saúde”, e reúne especialistas e autoridades nacionais e internacionais para discutir soluções diante da crescente insegurança alimentar no mundo.
Em sua participação, a nutricionista da unidade de projetos do Centro de Excelência, Eliene Souza, fez um retrato do funcionamento do Programa Mundial de Alimentos no Mundo e no Brasil e trouxe como exemplo o resultado do Projeto Além do Algodão em Moçambique.
“Este projeto foi pensado para que pequenos agricultores de algodão em insegurança alimentar produzissem não apenas o algodão, mas também alimentos, de forma consorciada.” Ela destacou que, em Moçambique, houve uma ação integrada de parceiros no combate à fome e na cooperação Sul-Sul pensando na sustentabilidade.
“Universidades brasileiras contribuíram na identificação de alternativas na base de produção agrícola local, com o associativismo e o cooperativismo. Entre os resultados, houve desenvolvimento de bioinsumos para controle de pragas, construção de hortas e quintais produtivos”, conta. O Projeto promoveu também o aumento da produção do algodão e a venda de alimentos que fortaleceram economicamente as comunidades.
A consultora sênior de nutrição e sistemas alimentares da ONU Nutrição, Denise Coitinho, fez uma apresentação enfatizando o papel da diplomacia como meio para promover diálogo para a construção de soluções compartilhadas entre as nações. “No sistema da ONU, nos inspiramos nas ferramentas diplomáticas para focar no combate à má nutrição e à insegurança alimentar e nutricional.”
Ela destacou os instrumentos multilaterais das Nações Unidas para enfrentar as múltiplas crises globais. “Temos hoje uma inflação dos preços domésticos de alimentos, no mundo inteiro, o que impacta diretamente na fome. Isso, aliado à pobreza crônica, guerras, fragilidades institutionais e degradação ambiental e climática no mundo, gera vulnerabilidade nos sistemas alimentares.”
Ela compartilhou uma série de ações estratégicas multissetoriais no enfrentamento desse cenário e deu exemplos de conquistas conjuntas recentes. “Buscamos eficácia na maneira de apoiar os países, e buscamos adaptabilidade no atual cenário mundial de tensões geopolíticas e restrições financeiras de quem trabalha nas emergências.”, concluiu.
Elisabetta Recine. Presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e membro do Comitê de Segurança Alimentar da ONU, falou sobre o papel da sociedade civil e da academia no combate à fome, destacando os desafios a serem enfrentados.
“Vemos evidências do avanço das políticas, mas a agenda de segurança alimentar e nutricional no Brasil enfrenta desafios que são evidenciados em nosso monitoramento. Os compromissos não são concretizados se não houver uma agenda política. O direito humano à alimentação adequada fica esvaziado se existir apenas como uma mera menção no início de documentos.”
Ela enfatizou que vivemos uma fragmentação da governança global. “É preciso refundar e revalorizar o multilateralismo para enfrentar os grandes desafios globais, principalmente diante do cenário de mudanças climáticas que vivemos”, disse.
Denise Oliveira e Silva, sanitarista e coordenadora do Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares da Fiocruz Brasília, falou sobre a importância das políticas públicas no combate à fome, sobretudo com olhar sobre o território e com a lógica imposta pelo capitalismo.
“Até pouco tempo atrás, tínhamos um conceito sobre a fome, que hoje evoluiu e foi ampliado. Atualmente, falamos em sistemas alimentares. Evoluiu também a relação que temos com o solo e a produção do alimento, hoje em espaços menores. Incluímos a questão de gênero nessa discussão, porque hoje o preparo da refeição não é mais exclusivo por mulheres dentro do espaço doméstico. A questão da boa alimentação também evoluiu, porque deixou de ser calculado em volume de calorias e passou a levar em conta o fator nutricional.”
Com este conjunto de mudanças estruturais nas sociedades, ela alerta que a saúde é diretamente afetada pelo atual modelo adotado de produção e consumo dos alimentos, que privilegia os ultraprocessados. “Acredito que a saída está nas sociedades tradicionais, nos seus hábitos e valores. Esse modelo é sustentável, e isso precisa ser compartilhado com a sociedade.”
Sob moderação de Eduardo Nilson, da Fiocruz Brasília, o seminário reforçou que erradicar a fome até 2030 exige abordagens integradas, que vão desde ações emergenciais até modelos de cooperação internacional articulados entre países do Sul Global.
A íntegra do evento, em português, inglês e espanhol, está disponível no canal oficial da Fiocruz.