Representantes de agências da ONU, governos e ONGs se reuniram para discutir boas práticas e desafios no 46º Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS)
Uma em cada três pessoas no mundo está desnutrida. E, em breve, isso pode mudar para uma em duas pessoas se a situação continuar como está, com impactos negativos na saúde e no bem-estar das populações. Dado o aumento acentuado do duplo fardo da desnutrição entre crianças em idade escolar (coexistência de sobrepeso e obesidade, juntamente com a desnutrição), as escolas representam um importante ponto de entrada para uma melhor nutrição. Os programas de alimentação escolar oferecem uma grande oportunidade para transformar os sistemas alimentares, ajudando a estabelecer hábitos saudáveis entre as crianças e fomentando cadeias sustentáveis.
Historicamente, os programas de alimentação escolar eram encarados com ceticismo e considerados transferências sociais sem impactos de longo prazo. No entanto, exemplos vistos em lugares como Brasil, Senegal e Honduras provam, de fato, que esses são programas bastante orientados para o futuro. Os programas de alimentação escolar com foco em nutrição são um investimento para crianças, famílias, comunidades e nações. Além disso, as intervenções escolares ajudam a maximizar o potencial de outros investimentos em nutrição feitos durante os primeiros 1.000 dias de vida. Eles também foram considerados essenciais para promover o desenvolvimento do capital humano durante os primeiros 8.000 dias da vida de uma criança.
Essas descobertas foram apresentadas recentemente em um evento paralelo, parte do 46º Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS), realizado em Roma, Itália, em outubro passado. A sessão intitulada “Investindo nas escolas para obter um impacto nutricional sustentável: usar as escolas para transformar sistemas alimentares e promover ações de serviço duplo para melhorar a nutrição” foi organizada pelo Centro de Excelência contra a Fome (WFP Brasil) em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e Agência Brasileira de Cooperação (ABC), juntamente com a UN Network e o UNSCN (Comitê Permanente do Sistema das Nações Unidas sobre Nutrição).
O foco do evento foi apresentar exemplos práticos de como diferentes países implementaram programas de alimentação escolar e quais inovações foram aplicadas para tornar esses programas sensíveis à nutrição. Esses exemplos destacam o potencial dos programas de alimentação escolar para promover dietas mais saudáveis e melhor nutrição entre as crianças em idade escolar e suas famílias. Eles também mostram como esses tipos de programas transcenderam evidências anedóticas e deixaram de ser considerados uma variante de programas de transferência social, passando a ter comprovada influência no desenvolvimento infantil e na prosperidade das nações.
Experiências nos países
O Programa Nacional de Alimentação Escolar do Brasil (PNAE) é administrado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e provou ser uma fonte significativa de boas práticas na área. Em 2018, o FNDE lançou um kit de ferramentas com o objetivo de melhorar a transparência, a participação e o monitoramento da oferta de alimentação escolar no Brasil. Entre essas ferramentas, uma das mais inovadoras é o e-PNAE – um aplicativo que permite que pais, alunos, professores, nutricionistas, conselheiros de alimentação escolar e membros da comunidade acompanhem e avaliem a qualidade da merenda escolar oferecida em todas as escolas públicas do país. Além desse aplicativo, o governo também desenvolveu uma ferramenta chamada “PNAE Monitora”, que visa padronizar o monitoramento do programa em todo o Brasil.
Outra experiência em gestão de alimentação escolar na América Latina se destaca. As Mancomunidades em Honduras são entidades associativas públicas, compostas por grupos de municípios. Desde 2016, eles implementam o Programa Nacional de Alimentação Escolar em Honduras, em parceria com o Programa Mundial de Alimentos (WFP). Além de aprimorar o gerenciamento e a implementação da alimentação escolar em Honduras, essa estrutura associativa promove o desenvolvimento comunitário integral, trabalhando com pequenos agricultores para atender à demanda por alimentos frescos nas escolas. O Mancomunidades recebeu o status de modelo de iniciativa da FAO.
No Senegal, um aplicativo inovador chamado Nutrifami foi introduzido recentemente com o apoio do WFP. O aplicativo tem como alvo diretores de escolas e cozinheiros e inclui ilustrações e orientações sobre armazenamento, higiene e nutrição. Uma das características mais interessantes dessa ferramenta é o uso de gravações de áudio na língua Wolof (que a torna acessível para usuários analfabetos).
Ao explorar esses exemplos de boas práticas na melhoria dos padrões nutricionais por meio da alimentação escolar, esse evento paralelo promoveu cooperação Sul-Sul, enquanto também contribuiu para o desenvolvimento das Diretrizes Voluntárias do CFS sobre Sistemas Alimentares e Nutrição. Este último foi realizado destacando políticas e ações coerentes nas quais as escolas têm sido um ponto de entrada para a transformação do sistema alimentar.
Condições para o sucesso
Os participantes dessa sessão apontaram que os programas de alimentação escolar só podem alcançar impactos a longo prazo por meio de desenho inteligente do programa, que lida com questões nutricionais inter-relacionadas; financiamento seguro e contínuo, que garante a manutenção e a ampliação do programa; bem como ações que promovam a propriedade da comunidade, adaptadas à cultura alimentar local. Por fim, para que os resultados da alimentação escolar sejam mantidos, é imperativo que os formuladores de políticas adotem uma abordagem que considere o ciclo de vida para o desenvolvimento infantil, indo além dos primeiros 1.000 dias de vida.
Outros fatores a serem considerados na implementação bem-sucedida de programas de alimentação escolar são: promoção da coordenação multi-setorial dentro dos governos e com parceiros externos; implementar educação nutricional em todos os níveis escolares; treinamento e capacitação de governos, criando fortes estruturas legais e políticas; construção de sistemas de monitoramento eficientes; e benchmarking com experiências internacionais por meio da cooperação Sul-Sul.
Sobre o CFS
O Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS) é uma plataforma intergovernamental para todas as partes interessadas trabalharem juntas para garantir segurança alimentar e nutrição para todos. O Comitê se reporta à Assembleia Geral da ONU por meio do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) e à Conferência da FAO.
A cada ano, mais de 100 partes interessadas se reúnem na sede da FAO em Roma para uma semana inteira de aprendizado através de sessões plenárias e eventos paralelos. O tema do ano passado foi “Acelerando o progresso do ODS 2 para alcançar todos os ODS”. O evento destacou a erradicação da fome como indispensável para a promoção do desenvolvimento sustentável em todo o mundo, com discussões focadas em questões relacionadas à dupla carga de nutrição, desperdício de alimentos e inovações em programas alimentares.