Gestores de alimentação escolar e funcionários dos escritórios do Programa Mundial de Alimentos (WFP) de Angola, Timor-Leste, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Brasil participaram, nesta terça-feira, 23 de agosto, de um diálogo online sobre melhores práticas na área da nutrição e principais desafios na implementação de programas de alimentação escolar. O evento, promovido pelo Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP) no Brasil, em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), promoveu troca de experiências e oportunidades de colaboração entre os países participantes.
Na abertura, Plínio de Assis Pereira Junior, da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), falou sobre a importância da Cooperação Sul-Sul no avanço da alimentação escolar nos países de língua portuguesa. Em seguida, Gracy Heijblom, do WFP em Angola, abriu o bloco de trocas de experiências e apresentou uma ferramenta digital para o cálculo do cardápio do menu de alimentação escolar utilizada no país. A ferramenta permite adaptação à localidade e ao público-alvo, o cálculo de micronutrientes e do custo para cada refeição e o perfil alimentar, com a composição de energia, proteína, lipídios, e carboidratos. “A ferramenta permite o cálculo de forma flexível para adequação desses cardápios para os beneficiários, e assim podemos fazer a gestão do programa de maneira mais rápida e eficiente”, completou.
A experiência Brasileira foi apresentada em seguida, com a participação de Sineide Neres, Assessora da Coordenação-Geral do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Ela relembrou que, ao longo dos seus 60 anos de existência, o PNAE passou por várias modificações e hoje conta com a obrigatoriedade da atuação de um profissional de nutrição em cada escola, com responsabilidades que vão além da elaboração do cardápio, incluindo: coordenação das ações do programa nos estados e municípios, realização de teste de aceitabilidade dos cardápios e treinamento dos cozinheiros. “Os cardápios consideram especificidades regionais, peso e altura do estudante, histórico individual de patologias e também hábitos alimentares de grupos específicos, como indígenas e quilombolas”, disse Sineide Neres.
Em seguida, Sebastiana Nani Lemos, ponto focal para alimentação escolar do Ministério da Educação, Juventude e Desporto (MEJD) de Timor-Leste, apresentou um breve histórico do programa, que começou em 2005 como piloto do WFP e, em 2011, foi assumido pelo governo do país. Atualmente, o programa atende crianças de 5 a 12 anos de idade em 13 municípios, totalizando 320 mil crianças, ou 24% da população timorense. “O programa é um dos principais elementos da rede de segurança social e apoia a segurança alimentar de famílias e crianças”, ressaltou Sebastiana Lemos. Entre os desafios citados estão o aumento do preço de alimentos e combustíveis, diminuição do orçamento destinado à alimentação escolar, além de desafios no monitoramento e padronização da coleta de dados.
Abrindo o segundo bloco, Pita Correia, do WFP em Guiné Bissau, em parceria a representantes da Direção-Geral da Cantina Escolar, explicou que o programa, iniciado no país em 2000, atende hoje estudantes de 6 a 11 anos de idade. A Lei de Cantina Escolar adotada pelo governo em 2019 determina que o programa também inclua ações de educação alimentar e nutricional nas escolas e distribuição de kits de alimentos para que os estudantes levem para casa (take-home rations). Entre os principais desafios enfrentados pelo país estão dificuldades no cálculo do cardápio e a escassez de profissionais de nutrição. O país trabalha agora no treinamento de voluntários, nas compras locais de alimentos e em projetos de digitalização.
Em Moçambique, o programa nacional de alimentação escolar atende 215 mil alunos em 340 escolas de 42 distritos, cobrindo 30% das necessidades energéticas diárias e 20% das necessidades de micronutrientes. Segundo Manuel Veremo Fulede, Técnico do Departamento de Nutrição e Saúde Escolar do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, o programa tem como pilares a melhoria do estado nutricional dos alunos, a promoção da educação alimentar e nutricional nas escolas e o desenvolvimento de habilidades agropecuárias. “Estamos elaborando um manual que será distribuído nas escolas e comunidades locais, fazendo a ligação entre a produção agropecuária, contemplando também as hortas escolares”, disse. O país também trabalha atualmente em programas de fortificação alimentar para o combate às deficiências de micronutrientes.
Por fim, os participantes puderam conhecer mais sobre a experiência do programa de alimentação escolar de São Tomé e Príncipe, que foi criado em 2010. Até 2015, o WFP forneceu apoio ao programa, que passou a ser completamente administrado pelo governo em 2016. Segundo Youdmila Vila Nova, Nutricionista do Programa Nacional de Alimentação e Saúde Escolar, o programa tem objetivo de complementar a nutrição e criar hábitos saudáveis, atendendo cerca de 50 mil alunos entre 3 e 14 anos, o que é 25% da população nacional. Os desafios citados incluem monitoramento e avaliação, elevados preços das mercadorias locais em comparação com alimentos importados, dificuldades logísticas e a inexistência de lei que regulamenta a compra de produtos locais.
De forma complementar às intervenções dos países, Eliene Sousa, do Centro de Excelência contra a Fome do WFP no Brasil, apresentou o projeto Nutrir o Futuro e traçou um panorama geral do estado da nutrição no mundo, apontando desafios e oportunidades para governos e parceiros.
Ao longo das apresentações, participantes puderam tirar dúvidas sobre desafios compartilhados e boas práticas que poderiam ser adaptadas em seus países, em temas como elaboração dos cardápios, financiamento, monitoramento e uma abordagem completa que considera desde a desnutrição até a obesidade. “Os desafios também foram comuns, especialmente em infraestrutura, logística, investimentos e comprometimento do governo”, disse Christiani Buani, do Centro Regional de Excelência contra a Fome e a Desnutrição em Côte D’Ivoire (CERFAM), ao fazer um resumo da sessão.
“Precisamos mostrar que programas de alimentação escolar são investimento, não gasto. Eles trazem retorno econômico para as populações de cada país. As crianças conseguem aprender melhor e, ao mesmo tempo, temos desenvolvimento agrícola porque compramos localmente”, enfatizou Daniel Balaban, Diretor do Centro de Excelência contra a Fome do WFP no Brasil, no encerramento do evento. “É um programa de saúde, porque a criança bem alimentada também não vai ter doenças relacionadas à má alimentação, e é também um programa de desenvolvimento social e econômico”, completou.
Os países voltarão a se reunir até o fim deste ano, para a segunda sessão dos diálogos, dessa vez com foco em alimentação escolar e compras da agricultura familiar.