Uma cerimônia com presença do Secretário da Educação do Malawi, Dr. Mangani Katundu, no dia 5 de dezembro, marcou o lançamento da estratégia de expansão do Programa de Alimentação Escolar no país, com objetivo ampliar até 2030 para 100% o número de escolas primárias que oferecem alimentação escolar. Hoje o Malawi tem 43% das escolas que oferecem no mínimo uma refeição aos alunos.
“Este é um comprometimento que assumimos como Nação, definindo ações concretas de todos os envolvidos, governo, comunidade e parceiros estratégicos para que nossas crianças tenham alimentação escolar. Somos capazes de construir este caminho juntos para garantir a educação e a alimentação escolar. Essa é a nossa meta com o lançamento deste Plano de Escala”, afirmou o secretário.
O Centro de Excelência contra a Fome foi representado na cerimônia pela oficial de programas Maria Giulia Senesi. Em seu discurso, ela ressaltou que o momento é muito oportuno para a retomada de interlocuções com o país, uma vez que uma série de iniciativas internacionais no cenário global endossam ações de escala como as do Malawi.
“Por meio do Centro de Excelência contra a Fome do WFP, o conhecimento e a experiência do Brasil na ampliação de programas nacionais de alimentação escolar podem oferecer apoio ao Malawi. Ao facilitar a troca de conhecimentos, fomentar a Cooperação Sul-Sul e catalisar parcerias, o Centro está posicionado para promover resultados impactantes no plano de expansão e nas ações”.
Missão
O lançamento do Plano coroa uma relação de mais de uma década do Centro de Excelência contra a Fome do WFP no Brasil com o Malawi na construção do seu programa de alimentação escolar.
Vários eventos, reuniões técnicas e missões foram realizadas entre os dois países. Na missão mais recente, em novembro de 2024, Maria Giulia esteve por três semanas no Malawi e acompanhou de perto o desenvolvimento do Plano de Expansão.
Durante três semanas, Maria Giulia teve contato com representantes do governo e com representantes de comunidades locais, pais de alunos, professoras e diretoras de escola. Ela nos conta um pouco da sua experiência e como o Centro de Excelência pode contribuir no êxito do Plano de Escala do Malawi.
Em que contexto foi feito o contato para esta missão? O Malawi procurou o Brasil?
A visita decorreu de uma reunião que tivemos com o escritório de país apresentando nossas atividades de Cooperação Sul-Sul, e considerando o histórico de atuação que já tivemos com o Malawi. Na ocasião, falamos com os representantes da unidade de Programas do país, que viram como o Centro de Excelência apoia os países ao longo dos anos. Foi frutífero porque, quando eles tiveram a demanda trazida pelo governo do Malawi que abarcasse um Plano de Escala da alimentação escolar no país, percebeu-se que o Centro poderia ser apoiador técnico e de advocacy.
Qual a expectativa prévia à missão?
Focamos nos preparativos relacionados às atividades, incluindo um documento chamado de Roadmap, ou um “mapeamento de ações” que elenca estratégias operacionais e estruturais de como chegar ao objetivo de fortalecer um Plano de Escala.
O que é o Plano de Escala do Malawi?
Plano de Escala é um plano do governo do Malawi para promover a ampliação da cobertura da alimentação escolar nas escolas primárias, dos atuais 43% para 100% em 2030. É um objetivo ambicioso.
Nossa missão buscou auxiliar o escritório de país e o governo –além de outros parceiros e de organismos internacionais com ações estruturadas em torno dessa demanda, tanto no preparo prévio, conhecendo o arcabouço técnico disponível para essa demanda, quanto no desenho do Roadmap.
Qual o nosso papel enquanto o Centro de Excelência nessa missão?
O papel do Centro de Excelência é de fato ser um articulador, um facilitador. É ser um elo estratégico entre o que já vem sendo desempenhado pelo escritório de país no que tange à alimentação escolar e a demanda do governo nacional e dos governos locais. O espaço de atuação que o Centro de Excelência possui é de oferecer uma assistência técnica altamente especializada que direciona aspectos relativos a uma alimentação escolar com base em compra local. Dentro do trabalho do Centro de Excelência, acompanhamos movimentações, seja de um início de desenho de programas, seja de aprimoramento, seja de escala, seja de plano de transição, em que um governo nacional absorve e implementa gradualmente o provimento de alimentação escolar que o WFP vinha realizando no país.
E qual é o papel do escritório do WFP no Malawi?
O país tem escolas em que o escritório de país provê financeiramente e implementa a alimentação escolar. Através da implementação do programa pelo WFP, 837.500 crianças recebem diariamente a alimentação escolar em 778 escolas, tendo os alimentos comprados localmente de 35.000 pequenos agricultores. Esse elo entre a implementação de compras locais, e o provimento da alimentação escolar em todos os dias letivos para esse número de escolas é extremamente complexo, exige uma gestão operacional gigantesca e monitoramento constante. Esse é um eixo de atuação que o escritório de país do WFP implementa, que exige uma articulação junto as instituições nacionais como os Ministérios de Educação e Agricultura e instituições regionais como as secretarias departamentais desses Ministérios
Como foi a sua interlocução com as pessoas do Malawi durante a sua missão?
Previamente e durante toda minha missão, houve um apoio bastante significativo do escritório de país. Foi muito interessante porque é um momento onde o Centro de Excelência consegue fazer um intercâmbio com outros staff do WFP, de um modo mais direto e fluido. Desde o início tive uma interlocução muito forte também com o governo nacional. Já no primeiro dia em que eu cheguei, o corpo técnico do WFP com o qual mais dialoguei fez uma apresentação para os diretores do programa de alimentação escolar do país, alocados no ministério da Educação. E, ao final da semana, a oportunidade de dialogar sobre propostas para o plano de expansão com a Ministra de Educação e o Secretário de Educação, que tem o status de vice-ministro. Então, ocorreram movimentações em caráter técnico e caráter político,de modo a sinalizar para o governo do país que o WFP Malawi está buscando estratégias de reforço de recursos humanos para que a demanda do Plano de Escala fosse atendida.
E nas visitas de campo?
Houve esse mesmo tipo de interlocução nos dois departamentos que eu visitei, a partir da segunda semana. Conversamos com os governadores dos distritos de Zomba e Nsanje sobre como está a implementação da alimentação escolar no local, e decomo é a percepção dos alunos e da comunidade sobre o programa.
Durante essa semana, houve interlocuções locais com as diretoras das escolas que visitamos, professores, e reuniões enriquecedoras com o comitê de alimentação escolar da escola, que envolve pais, alunos e representantes de cooperativas de pequenos agricultores que fazem a venda para o programa de alimentação escolar local.
Qual a percepção dos beneficiários com relação à alimentação escolar no país?
É sempre muito rico a gente realizar esse tipo de de missão e dialogar com os beneficiários. São falas muito importantes para percepção de como nosso trabalho chega nesses locais. Eu ressaltaria a fala de uma diretora de escola do distrito de Zomba. Ela contou dos múltiplos benefícios que o programa de alimentação escolar com compras locais traz. Ela afirmou que, depois que o programa foi implementado, é notória a diferença com a diminuição do nível de abstenção escolar. A garantia de que aqueles alunos vão receber uma ou duas refeições por dia é algo muito impactante para a comunidade, sabendo que existem índices de insegurança alimentar altos no país. Ou seja, o objetivo de segurança alimentar se atrela também, aos objetivos educacionais, de ter um fomento a mais para aquelas crianças irem à escola.
Ela também ressaltou essa questão da qualidade nutricional do que estava sendo provido para os alunos, uma vez que o programa de alimentação do Malawi preconiza a utilização de seis grupos de alimentos, como carboidratos, minerais, vegetais, proteínas, que refletem uma diversidade nutricional.
Qual a percepção dos agricultores locais sobre o programa de alimentação escolar?
Na conversa que nós tivemos com os pequenos agricultores, ficou claro que o programa de alimentação escolar é uma demanda de mercado mais segura para eles, que representa um percentual bastante representativo de escoamento e venda da produção deles.
Você percebeu laços entre o Centro de Excelência e o Malawi, criados ao longo de anos de contato?
O diretor de país, embora não fosse o mesmo que da época dos primeiros contatos feitos, já conhecia o trabalho do Centro. Para mim ficou claro que existe um histórico institucional que o Centro vai criando ao longo dos anos. São laços de articulação e objetivos que vamos construindo para fortalecer os programas de alimentação escolar nos países com os quais dialogamos.
No caso do Malawi, um exemplo concreto desse laço histórico foi o Brasil ter sediado, em 2013, um workshop de consulta nacional para a colocar diferentes atores das áreas de agricultura e educação para dialogarem na construção do seu programa de alimentação escolar.
Você considera a relação Brasil-Malawi como uma boa prática de Cooperação Sul-Sul?
Com certeza. É muito interessante perceber, na estruturação de como o programa de alimentação escolar do país opera hoje, componentes muito centrais e muito próximos do que o PNAE preconiza e do que, por sua vez, o Centro de Excelência também preconiza, enquanto boa prática. Por exemplo, 100% dos produtos da alimentação escolar são provenientes dos pequenos produtores. É nítido o nexo de que essa estruturação, através das diferentes táticas que o Centro opera, tiveram um efeito à médio e longo prazo nessa política da alimentação escolar neste país.
Poderia falar sobre a participação do Malawi na Coalizão da Alimentação Escolar?
O Malawi é membro da Coalizão desde outubro de 2023, mas não havia feito os seus compromissos nacionais perante a iniciativa. E durante as nossas reuniões com o Secretário de Educação, foi possível trazer opções de compromissos mais tangíveis que o país poderia traçar. A percepção foi de que os esforços nacionais que vêm sendo fomentados eram, de fato, ações que o governo já estava movimentando, e que o envio desses compromissos para a Coalizão seriam oportunos.
Que alinhamento político foi necessário para o lançamento do Plano de Escala ainda em 2024?
Vários alinhamentos políticos foram necessários, que iniciaram já antes minha missão Um dos pontos principais dessa articulação foi a instauração de uma força-tarefa (task force) que deve evoluir para um comitê nacional que subsidie de modo participativo as ações voltadas para o Plano de Escala. Nessa primeira reunião da task force houve a participação de 16 pessoas que operam em diferentes frentes da alimentação escolar no país, entre elas, representantes de ONGs, Ministério de Agricultura e do Ministério da Educação.
Quais os objetivos do lançamento do Plano de Escala?
O lançamento tem dois objetivos principais. O primeiro deles é a apresentação do estudo de advocacy com metolologia Value for Money (da Universidade de Harvard) que mostra que alimentação escolar não é um gasto, mas um investimento que retorna, na proporção de 1 para 9. Ou seja, a cada dólar gasto, o retorno é de 9 dólares, com ganhos em segurança alimentar, na saúde pública (casos de anemia são evitados), sociológicos (maior presença de meninas nas escolas, menor índice de casamento infantil), na agricultura etc.
E o segundo objetivo desse evento é tornar público que o governo propõe que a cobertura da alimetação escolar passe de 43% para 100% até 2030, e divulgar que isso será feito através do o Plano de Escala e da continuidade das atividades da task force
Qual o maior desafio para a implementação do Plano de Escala?
Eu diria que seria a perenização de uma mobilização multisetorial, porque ainda não existe um corpo de governança que dialogue constantemente entre os ministérios envolvidos, com responsabilidade de cada parte integrante Durante a minha missão, ressaltei a importância de nomeação de um comitê estruturado em documento nacional, elencando o compromisso e a responsabilidade das partes, para que haja um envolvimento e um acompanhamento desse processo de escala. E um segundo desafio é a questão de financiamento, de mobilização de recursos financeiros que sejam sustentáveis, perenes e que não oscilem com o tempo.
Mas entendemos que todos esses desafios a gente enfrenta com o diálogo e promoção do processo participativo na construção de soluções.
Quais as perspectivas de um trabalho conjunto com o Malawi num futuro próximo?
O Centro de Excelência oferece um gama de atividades que devem ser organizadas para o próximo ano. A continuidade mais iminente é o assessoramento nas atividades de advocacy, na participação do país dentro da Coalizão da Alimentação Escolar, e no acompanhamento estratégico de uma nova staff do WFP alocada dentro do Ministério da Educação para a implementação in loco do Plano de Escala.