30 anos de trabalho humanitário
Peter rodrigues é o diretor adjunto do Centro de Excelência do Programa Mundial de Alimentos no Brasil e é também o membro da nossa equipe com mais experiência em assistência humanitária. Ele esteve em zonas de guerra, trabalhou na resposta a desastres naturais e testemunhou o sofrimento e a dor, mas também a esperança e a força para recomeçar. No mês em que celebramos o Dia Mundial Humanitário em homenagem às mulheres e aos homens que dedicam suas vidas a ajudar os outros, ele é nosso Funcionário do Mês.
O trabalho humanitário corre em suas veias. Seu pai trabalhou para uma grande instituição humanitária internacional e, quando jovem, seguir os passos do pai era a última coisa que ele queria fazer. Mas o destino tinha outros planos.
Após se formar em economia em Jaipur, sua cidade natal na Índia, ele trabalhou vendendo anúncios nas páginas amarelas. “Depois de um ano, decidi que precisava fazer algo diferente com minha vida. Vi um anúncio num jornal e concorri a uma vaga na HelpAge India”, conta Peter. Ele foi selecionado e trabalhou com mobilização de recursos e avaliação de projetos na ONG por cinco anos.
Peter foi os pais que estavam baseados em Moçambique e, como tinha tempo livre, foi contratado por uma organização internacional para reorganizar seu sistema de administração. “Foi a primeira vez que trabalhei com computadores, usei um pequeno laptop com vários disquetes”, conta rindo. Após aquela curta experiência, a mesma organização ofereceu um trabalho em Beira como chefe adjunto de suas operações na região.
Peter trabalhou em Moçambique de 1993 a 1995. Nesse período, casou-se com Susheela, também indiana. Após Moçambique, o casal se mudou para Angola. O país estava enfrentando uma cruel guerra civil, e a organização para a qual trabalhava tinha uma grande operação de distribuição de alimentos. Durante os quatro anos em que trabalhou em Angola, ele teve a chance de conhecer o trabalho do Programa Mundial de Alimentos – e o WFP também teve a chance de ver Peter em ação. Em 1999, Peter passou a integrar a equipe do WFP como chefe do sub-escritório de Kuito Bié.
Foi uma decisão difícil para ele. Kuito era uma zona de guerra e, por isso, era um posto em que a família não poderia acompanhá-lo, e Susheela precisaria voltar para a Índia. Seu pai teve papel importante em sua decisão. Ele aconselhou Peter que uma chance de trabalhar para as Nações Unidas não deveria ser desperdiçada e que, às vezes, era preciso fazer sacrifícios. Peter aceitou o trabalho.
Ele chegou a Kuito às 7 da noite e o governador o estava esperando para uma reunião. Depois da reunião, ele estava com fome e perguntou ao motorista se poderiam comer em algum lugar. O motorista explicou que, se ele quisesse jantar, deveria fazer o pedido de manhã. “Por sorte, eu tinha pão e uma lata de sardinha. Me sentei sozinho no chão do meu novo escritório e tive o primeiro de muitos jantares à luz de velas em Kuito”.
Peter morou no escritório por alguns dias, dormindo no chão, até que os Médicos Sem Fronteiras emprestaram uma casa que estava vazia, já que toda a sua equipe havia sido evacuada. Não havia água ou eletricidade. A cidade tinha toque de recolher às seis da tarde, e o gerador era desligado. Havia bombardeios cerca de três vezes por semana. “Isso mudou minha forma de encarar a vida. Um dia o guarda me disse que nosso armazém havia sido atingido por uma bomba, então fomos até lá checar. O armazém estava intacto, mas a casa ao lado havia sido atingida. Eu entrei na casa e vi duas crianças pequenas dormindo, sem ideia do que havia acontecido, e no outro quarto seus pais estavam mortos. Aquilo me transformou”.
Quando a situação piorou, o WFP começou a evacuar sua equipe de Kuito. Perto de sua partida, Peter foi chamado pelo vice-governador. “Ele me disse que, se eu partisse, 200 mil pessoas morreriam de fome e perguntou se eu poderia mudar de ideia. Eu fiquei, porque aquelas 200 mil vidas eram tão importantes quanto a minha”.
20 anos se passaram desde que Peter entrou no WFP. Ele trabalhou em muitas emergências desde sua experiência em Angola: Myanmar após o ciclone, Haiti após o terremoto, Gaza, Somália e, mais recentemente, em Moçambique após os ciclones. Ele também teve a chance de contribuir com programas de desenvolvimento em Zâmbia. Na Indonésia, apoiou o processo de transição dos programas do WFP para o governo. Em Roma, sede do WFP, trabalhou como conselheiro sênior do diretor executivo adjunto para operações e como chefe da Unidade de Alimentação Escolar.
Segundo ele, o maior desafio de sua carreira foi conciliá-la com as necessidades de sua família. “Quando minha filha tinha uns três anos, expliquei que ela não podia morar comigo porque não era seguro, ela então perguntou como poderia ser seguro para mim se não era para ela. Sempre que eu ia para casa para visitar, ela ficava dois ou três dias sentada sem fazer nada quando eu ia embora”. A comunicação também era um desafio nos anos 90. “Tínhamos um telefone por satélite para emergências, porque a ligação era caríssima”.
Valeu a pena? “Eu escolhi esta vida porque realmente acredito na causa, eu sei que estamos salvando vidas”. De acordo com Peter, o WFP trabalha com base na avaliação das necessidades e por isso nossas ações são tão efetivas. Ele também afirma que o WFP tem ferramentas programáticas que nos permitem estar operando em campo 48 horas após qualquer emergência, mas também possibilitam o trabalho de desenvolvimento no longo prazo. “Apoiamos governos e promovemos a cooperação Sul-Sul para melhorar a segurança alimentar e a nutrição. Somos capazes de realizar coisas e fortalecemos capacidades para assegurar que vai haver continuidade, para assegurar que estamos realmente transformando vidas”.