Eventos climáticos extremos, como secas e inundações, estão comprometendo a segurança alimentar na América Latina e no Caribe, com 74% dos países da região enfrentando alta exposição a esses fenômenos. Segundo o relatório Panorama Regional da Segurança Alimentar e Nutricional 2024, lançado no dia 27 de janeiro, os impactos já são sentidos na redução da produtividade agrícola, na interrupção de cadeias de abastecimento e no aumento dos preços dos alimentos.
Esses fatores, aliados a desafios estruturais, como desigualdade social e dificuldade de acesso a dietas saudáveis, têm agravado a fome e a desnutrição, especialmente entre populações vulneráveis.
“Fechamos o ano mais quente na história. Tivemos recordes de emissão de gases de efeito estufa. Os incêndios, como na Amazônia e em vários pontos do Brasil, a estiagem, os alagamentos, furacões e tormentas mostram que catástrofes estão mais frequentes e atípicas na região, afetando as colheitas e pondo em risco a alimentação das populações”, afirmou Lola Castro, diretora do WFP para América Latina e Caribe.
O relatório aponta que a prevalência da subnutrição cresceu nos últimos anos em países fortemente impactados pelas mudanças climáticas, com a população mais vulnerável (como as mulheres e crianças das áreas rurais, os indígenas e os afrodescendentes) sendo a mais afetada.
Na América Latina, a combinação da má nutrição crônica e sobrepeso representa um duplo desafio, afetando uma em cada dez crianças menores de cinco anos. No Brasil, 3,1% das crianças menores de 5 anos ainda enfrentam a magreza extrema. Além disso, o número de pessoas que não podem pagar por uma dieta saudável permanece alto, mesmo com recentes avanços na recuperação econômica pós-pandemia.
Boa notícia
Mas o relatório traz também uma boa notícia. A recuperação econômica de vários países sul-americanos devido a programas de proteção social, políticas destinadas a melhorar o acesso aos alimentos, e os esforços econômicos pós-pandemia,fizeram a fome e a insegurança alimentar diminuírem pelo segundo ano consecutivo na região.
De acordo com o relatório, a fome afetou 41 milhões de pessoas na região em 2023, o que representa uma redução de 2,9 milhões de pessoas em relação a 2022, e de 4,3 milhões de pessoas em relação a 2021.
Segundo Eliene Sousa, nutricionista e integrante da equipe de Projetos do Centro de Excelência contra a Fome do WFP no Brasil, “isto não é motivo para baixar a guarda, porque ainda há muito que fazer. As mudanças e crises climáticas se apresentam como ameaças, de todas as formas, para o acesso à alimentação saudável e adequada, especialmente para as populações mais vulneráveis.”
As disparidades regionais permanecem evidentes, com comunidades rurais e mulheres enfrentando maiores barreiras para acessar alimentos. Essas populações, mais expostas aos choques climáticos, sofrem de forma desproporcional com o aumento da insegurança alimentar e nutricional.
Considerando que, em comparação com outras regiões, a América Latina e o Caribe têm o maior custo de uma dieta saudável, Eliene ressalta que “investir em projetos e políticas que deem conta de desenvolver sistemas alimentares saudáveis são parte da solução. Desenvolver ações intersetorialmente é o que se propõe em documentos que trabalhamos com países da região, como, por exemplo, no Projeto Nutrir o Futuro.”
O relatório reforça a urgência de fortalecer os sistemas agroalimentares para torná-los mais resilientes às mudanças climáticas. No Brasil, investimentos em infraestrutura rural, práticas agrícolas sustentáveis e apoio a pequenos produtores são apontados como essenciais. Além disso, garantir acesso a informações climáticas e incentivos financeiros pode ajudar as comunidades mais vulneráveis a se adaptarem às condições extremas e prevenirem perdas significativas na produção agrícola. Eliene também destaca a importância de ouvir as populações diretamente afetadas, afirmando que “a participação social promove o melhor direcionamento dos resultados esperados.”
Por fim, ela ressalta que a ação climática deve estar alinhada ao direito à alimentação e à nutrição, priorizando crianças e famílias mais afetadas. “Com ações conjuntas, liderança governamental e participação social, é possível mitigar os impactos das mudanças climáticas e avançar na redução da fome e da desigualdade alimentar no país.”
O Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutricional 2024 é uma publicação conjunta do Programa Mundial de Alimentos (WFP), da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Leia a íntegra do relatório (disponível em espanhol) Panorama regional de la seguridad alimentaria y nutricional – América Latina y el Caribe 2024 | World Food Programme